Existem duas verdades óbvias sobre os processos judiciais: a primeira é que ser alvo de processo é ruim. Muito pior para quem tem consigo a ingenuidade da mansidão, não está acostumado com o litígio e nunca se imaginou às voltas com uma "via crucis" de advogados, intimações e audiências. Para os mais retos, ser réu perante a Justiça, por si só, constitui verdadeira infâmia, um transtorno potencializado pelos inesperados gastos com defesa especializada e pela insegurança de ter sua vida decidida por alguém que nem sequer o conhece. A segunda verdade é que o papel aceita tudo. Pelo princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional todos podemos invocar o Judiciário para evitar injustiças ou reparar lesões. Na prática, qualquer um pode processar quem quiser, pelo motivo que bem entender. Não à toa, o Poder Judiciário brasileiro é hoje um dos mais abarrotados do mundo.
Recebe todos os dias uma imensidão de conflitos, banais ou não, que não foram racionalmente resolvidos pelos próprios interessados. Pois em Santa Catarina, a professora Ana Caroline Campagnolo, eleita deputada estadual e fervorosa defensora do "Escola Sem Partido", processou sua ex-orientadora de mestrado por suposta "doutrinação ideológica" e "perseguição religiosa", pedindo indenização por danos morais. A ação, como era de se esperar, foi julgada improcedente. Não há provas de doutrinação nem de perseguição, disse o juiz. A derrota jurídica, no entanto, não impediu Ana Caroline de comemorar: "Houve um incômodo de dois anos que é impossível mensurar com dinheiro", disse ela em entrevista veiculada pela BBC de Londres.
Ficou claro, então, que seu objetivo nunca foi o de corrigir uma injustiça, mas usar da máquina estatal para causar transtorno a uma professora que não lhe agradava, uma prática que certamente será difundida com eventual implementação da Lei Escola Sem Partido. Não é difícil imaginar que, caso vigente a Escola Sem Partido, alunos displicentes, acobertados por papais protetores, poderão usar de processos judiciais para confrontar professores sob a alegação de "doutrinação ideológica", com a cumplicidade de grupos empresariais que tratam a educação como mera atividade lucrativa. A lógica é simples: se o professor não compreende a genialidade de meu filhinho, processa-se.
Neste caso, não se pode falar que "quem não deve não teme", pois, como já disse, o papel aceita tudo e o transtorno de uma ação judicial é imediato. A autoridade dos professores, essencial para dirimir conflitos comuns num ambiente escolar, será mais do que nunca posta em xeque. Eles, já acossados pela ridícula remuneração e pelas péssimas condições de trabalho, se verão obrigados a se desdobrar, não apenas para lecionar, mas também para agradar individualmente a cada um dos vários alunos. Vai que algum deles tenha parente advogado, não é mesmo?